07 Março 2013
Cardeais que pedem tempo para refletir, discutir, rezar juntos: uma ideia conciliar de Igreja. Dos conciliábulos destes dias, pode ressurgir a ideia de um novo "momento conciliar" para a Igreja Católica.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffPost.it, 06-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O momento que a Igreja Católica mundial vive hoje é delicado como poucos na história recente: o primeiro papa que renuncia na era do catolicismo global; o escândalo dos abusos sexuais que pôs em dúvida a credibilidade do testemunho cristão; uma evidente necessidade de reequilibrar as diversas dimensões da Igreja: os equilíbrios geográficos entre Norte e Sul; os equilíbrios teológicos entre ênfases sobre a sexualidade, questões sociais e testemunho de Jesus.
Diante desse momento, a instituição tem mecanismos testados que, porém, neste momento, são postos à prova por uma série de incógnitas, a primeira dos quais é representada pelo papel do "papa emérito" – uma incógnita mais do ponto de vista simbólico e cultural do que teológico ou canônico.
Um dos axiomas institucionais do catolicismo, a partir do século XV, é a primazia do papado sobre o concílio dos bispos – embora sendo o concílio ecumênico (ou "geral") o mais alto órgão de discussão e deliberação na história da tradição cristã e católica. Na ausência de um papa, cabe não ao concílio, mas sim ao conclave dos cardeais eleger um papa: o concílio – no caso de estar em andamento – é suspenso.
Foi assim no dia 3 de junho de 1963, com a morte de João XXIII. O Concílio Vaticano II (iniciado em outubro de 1962) foi suspenso, e o conclave que elegeu Paulo VI no dia 21 de junho de 1963 expressava de algum modo o Concílio Vaticano II: um dos mandatos implícitos confiados ao novo papa, Paulo VI, era o de continuar o Vaticano II – o que o Papa Montini fez, até o desembarque na conclusão no dia 8 de dezembro de 1965.
No debate intracatólico dos últimos anos, dominado pela nova “vague” interpretativa do Vaticano II levada adiante por Bento XVI (como teólogo e cardeal antes, e depois como papa), falar de um novo concílio ecumênico era pouco menos do que um sonho: para um eclesiástico de carreira seria pouco menos do que um suicídio. A vulgata oficial dizia (não sem razão) que a Igreja ainda estava se recuperando daquele concílio epocal; a vulgata menos benevolente dizia, ao invés, que aquele concílio havia sido substancialmente mal interpretado e desviado da teologia pós-conciliar, e que havia trazido danos à integralidade do catolicismo .
Os cardeais agora reunidos em Roma parecem não ter pressa para começar a votar para o novo papa: especialmente os não romanos e não italianos pedem tempo. Os cardeais também são homens da lei (canônica), e, portanto, nenhum deles fala de um novo concílio às vésperas de um conclave. Mas não é difícil intuir que o conclave está se tornando muito mais do que a reunião dos cardeais nomeada para eleger um sucessor de Bento XVI. O conclave de 2013 certamente não é um concílio, mas a medida da renúncia do Papa Ratzinger reabriu o debate sobre muitas questões, até agora transformadas em tabu pelo pontificado do "papa teólogo".
Mas só a imagem de cardeais que pedem tempo para refletir, discutir, rezar juntos certamente tem mais a ver com uma ideia conciliar de Igreja do que com a redução da eleição do papa à contagem dos pacotes de votos. Não se exclui que, dos conciliábulos destes dias, ressurja a ideia – senão de um novo concílio geral de todos os bispos – de um novo "momento conciliar" para a Igreja Católica.
Os cardeais não europeus sabem que a sua própria existência, como cardeais representantes de Igrejas não europeias e não ocidentais, deriva do Concílio Vaticano II que globalizou o catolicismo. Certamente não é por acaso que sejam eles que pedem mais tempo: o mesmo aconteceu justamente na abertura do Concílio Vaticano II, quando a Cúria Romana já havia preparado tudo para um concílio breve e indolor.
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Conclave 2013: prelúdio para um concílio? Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU